Futuro-Passado

 
 
 

Começo a escrever durante o processo de criação, ainda faltam alguns dias para a sessão marcada. Acabei de ler o texto por completo, mas considerando que já estou pensando nisso ha alguns dias, estou em algum lugar do meio do processo (progresso?). Não sei bem onde, ainda. Ok! Tá certo que não é sua forma final, mas o rascunho, o esboço, a projeção do que virá a ser — tanto o texto como a tatuagem, está acontecendo…

Definitivamente não é um trabalho simples, tanto quanto também não são simples as ideias apresentadas no texto-referência desse projeto. Volto um pouco no tempo pra explicar melhor o que está acontecendo/aconteceu/vai acontecer aqui: Victor também é de Brasília, não tivemos tempo de tatuar por lá, mas ele entrou em contato quando soube que estaria aqui por perto em uma viagem de família. Marcamos a sessão e o tema proposto é uma representação do tempo histórico, com base no texto de Reinhart Koselleck. Não há nenhuma referência visual para os elementos apresentados pelo autor/historiador, apenas a sugestão do ampulheta como possível forma. Ele faz questão de deixar claro que tenho espaço aberto para minha criatividade nesse projeto, o que é muito bom — mas também assusta um pouco. É sempre mais fácil um trabalho definido objetivamente. “Quero isso, aqui, e desse jeito!” Ok. pá, pum, flw vlw. Mas nunca foi isso que busquei no meu trabalho mesmo, então prefiro assim, tentar o não-óbvio.

 
 
 
 
 

No misto de receio e ansiedade, comecei a me questionar como faria para tornar visível algo tão subjetivo e obviamente sem resposta certa para isso, fui logo ler o texto.

É um capítulo de Futuro Passado, contribuição a semântica dos tempos históricos, onde Koselleck apresenta o “espaço de experiências”; e o “horizonte de expectativas”, como duas categorias históricas. A leitura é densa, mas tenho a sorte de ser casado com uma historiadora.

Fizemos então nossos fichamentos, cada um a sua maneira, e ver as anotações da Luísa me fez entender melhor alguns pontos que passariam batidos para um tatuador, mas que saltam aos olhos de quem estudou história academicamente. Isso se torna um ponto importante do processo, pois Victor é professor de história e a teoria de Koselleck teve papel fundamental na sua formação. E como não o conheço, não conhecia o texto e nem tratamos de muitos detalhes do projeto por email, observar os pontos-chave destacados por Luísa me deu um direcionamento mais palpável do que Victor também poderia ter lido.

 
 
Rap é Compromisso – Sabotage
 
 
 
 

Obviamente não tem como explicar aqui o conteúdo dos textos e anotações, mas se fosse para desossar de forma bem grosseira toda a argumentação do autor em um twitte, o faria mais ou menos assim:

o tempo histórico surge da combinação
não-simetria e não-estática entre um espaço de experiências e um horizonte de expectativas.

 
 
 
 
 

Dito isso, agora volto para a pesquisa visual. Começo a peneirar entre um mar de referências que tenho salvas e outras que nunca vi, o que poderia me lembrar as linhas gerais do texto. Imagens que me ajudassem a construir o todo o conceito e literalmente dar forma as ideias. Um dia inteiro caçando imagens e consegui reunir (aqui) algumas que, de uma forma ou de outra, me remetem ao que li do autor, ao que li da leitura da Luísa, ao que imagino ser o pensamento do Victor, ao que eu já tinha na memória. Nesse ponto reúno todas essas vivências: um campo onde tudo o que foi feito, lido, visto, estudado, memorizado, aprendido, contado, vivenciado, se encontram misturados, sobrepostos, fragmentados. Esse é o espaço das experiências.

 
 

Agora tem um horizonte de expectativas a minha frente, com inúmeras possibilidades do que fazer e de como a tatuagem vai decorrer, no que poderá e no que de fato vai acontecer. Tenho só vislumbres do que isso pode se tornar, algumas perspectivas, mas ainda sem nada de concreto para o futuro próximo. Esperanças minhas do que pretendo fazer com o trabalho, que linguagem almejo alcançar e a probabilidade de ir além disso tudo que já foi feito. Diversos caminhos por onde se pode seguir, alguns anseios envolvidos e decisões a serem tomadas. Na linha imaginária, sempre a frente, o limite volátil entre céu e terra, se projetam não só as minhas, mas as expectativas do Victor, do que essa tatuagem será, como vou resolver questões estéticas e conceituais, de como a tal imagem permanecerá em sua pele dali em diante.

Separei o dia inteiro pra fazer esse trabalho mas não poderíamos demorar muito, porque seu trem de volta era naquela mesma noite. Tivemos seis horas, entre a conversa com o café para começar, explicar o projeto, ouvir considerações, acrescentar detalhes, fazer decalque, testar no corpo, refazer decalque, desenhar com caneta partes que faltavam, ligar as máquinas e estender a conversa um pouco mais. Ao fim da jornada, Luísa volta para registrar em foto o que se resultou de todas aquelas expectativas lançadas na direção daquele sábado, e que hoje, alguns dias depois e digeridas primariamente com esse texto, se tornam parte do nosso campo de experiências.

fotos Luisa Dale
leia o texto no meu medium